O ARTISTA E OS DESASTRES
- Luís Henrique Franco
- Jan 27, 2018
- 12 min read

Filmes são feitos para contar histórias. Ás vezes, essas histórias relatam um conto ficcional, épico e fantástico, fora da nossa perspectiva de realidade. Em outros casos, os filmes retratam a vida de pessoas reais, que existem até os dias de hoje ou que existiram e foram importantes no passado. E existem também outros casos, em que o filme faz uma homenagem a um personagem que não ficou reconhecido por um feito bom e grandioso, ou mesmo ficou famoso por um feito lembrado pelos motivos errados ou nem tão desejáveis assim. O Artista do Desastre, novo filme dirigido por James Franco, que também é o seu protagonista, parece se encaixar mais nesse tipo de produção. O filme conta a história do diretor, roteirista e ator americano Tommy Wiseau. Seu grande feito que lhe valeu a homenagem de um filme: ter realizado, em 2003, aquele que é considerado o “Cidadão Kane” dos filmes ruins, The Room!
Diante da premissa de Franco em homenagear, em um filme indicado ao Oscar, aquele que será lembrado como o diretor do possível pior filme da história de Hollywood, vamos desvendar um pouco da vida desse homem que é Tommy Wiseau e seu filme, além de dar uma olhada naqueles que são também considerados os piores filmes já feitos.
O ARTISTA
Mesmo após ter ganhado fama pelo seu desastre, Tommy Wiseau continuou sendo um grande mistério para a maioria das pessoas. O ator e diretor não disse nada sobre suas origens, sua idade ou de onde havia arranjado o seu dinheiro, que lhe permitiu investir quase 5 milhões de euros em seu filme, e quando dizia alguma coisa, geralmente eram histórias loucas e inventadas sobre sua vida.

Em várias entrevistas, deu inúmeras informações diferentes e divergentes. Disse que viveu na França, cresceu em Nova Orleans, que era “originalmente da Europa”, que tinha família inteira no Estado de Louisianna. Também nunca foi muito preciso com sua idade, tendo admitido uma vez ter nascido em 1968 ou 1969, mas alegando para seu colega, o ator Greg Sestero, ser muito mais velho que isso. Em uma pesquisa feita para o documentário de 2016, Room Full of Spoons, Rick Harper chegou às conclusões, nunca confirmadas pelo próprio Wiseau, de que o ator e diretor seria polaco, nascido em Poznan, em 1955, tendo portanto 63 anos. Quanto a algumas outras informações, ele passou parte da adolescência em Estrasburgo, na França, e de lá se mudou para os Estados Unidos, para a casa de seus tios em Chalmette, Louisianna.
Ninguém realmente sabe de onde vieram os quase 5 milhões necessários para fazer o filme The Room, mesmo que Wiseau afirme que ele conseguiu o dinheiro através da venda de brinquedos e calças de ganga. Alguns especularam lavagem de dinheiro, enquanto outros acreditam em uma grande indenização recebida pelo diretor após um acidente quase fatal que o teria levado a perseguir o sonho de Hollywood. O que se sabe ao certo é que The Room foi a sua estreia como ator, produtor, roteirista e diretor, além de ser seu filme mais memorável.
Como diretor e produtor, Wiseau ainda trabalhou no documentário de curta duração Homeless in America, que focou na questão dos desabrigados e dos mendigos e nas pessoas que os ajudavam. A produção ganhou o prêmio de Melhor Documentário Social no New York International Independent Film & Video Festival. Como ator, Wiseau ainda atuou em filmes pouco conhecidos, como o curta The House That Drips Blood on Alex e Samurai Cop 2, além de ter feito uma participação em O Artista do Desastre. Ele também teve algumas participações na TV, onde inclusive chegou a ter seu próprio show, o Tommy Wi-show.
O “CIDADÃO KANE”
Lançado em 2003, The Room ficou famoso por sua narrativa fraca e inconsistente, enquanto conta a história de um triângulo amoroso melodramático entre o banqueiro Johnny (Wiseau), sua esposa Lisa (Juliette Danielle) e seu melhor amigo Mark (Greg Sestero). Dentro dessa trama, inúmeras tramas secundárias sem nenhuma conexão entre si vão surgindo, e não chegam a ser resolvidas até o final do filme. Todo o roteiro é escrito para que as tramas girem em torno de um único ambiente, o dito quarto, que de acordo com Wiseau, seria uma analogia de como um único local ou cômodo pode ser o ambiente tanto para acontecimentos bons quanto ruins.

O próprio processo de filmagem foi um completo caos. Wiseau manteve-se como produtor do filme para manter o controle criativo, e inclusive utilizou de sua fortuna (que, relembramos, ninguém sabe de onde veio) para comprar os materiais e câmeras para sua produção. O valor do filme se tornou mais caro por causa de inúmeras decisões ruins tomadas, trocas constantes de equipe e elenco. E eles tinham razão para saírem do filme, visto que muitos relataram maus tratos vindos do diretor, que muitas vezes também esquecia suas falas e local no set, levando à consequência de que cenas de alguns minutos levavam dias inteiros para serem filmadas.
Um grande número de publicações descreveu The Room como o pior filme já feito, ou, como diria o professor Ross Morin, do Connecticut College, o “Cidadão Kane dos filmes ruins”. Contrariando a descrição de Wiseau de que se tratava de uma “comédia de humor negro”, muitos receberam o filme como um drama mal-feito.
Foi justamente por causa de ser tão ruim, porém, que o filme se tornou um clássico cult. O público abraçou seu enredo confuso, suas falhas narrativas e técnicas e, acima de tudo, a atuação péssima de Wiseau. Muitos fãs inclusive passaram a se vestir como os personagens do filme. O desastre logo se tornou um fenômeno, devido, em parte também, à figura misteriosa de Wiseau. Por causa disso, um filme que é até hoje em dia taxado como o pior já feito ainda hoje é lembrado e celebrado, sendo inclusive a inspiração para um outro filme, este celebrado como um grande filme com uma grande atuação por parte de James Franco. O Artista do Desastre já está em cartaz nos cinemas.
ALGUNS OUTROS GRANDIOSOS FILMES RUINS
E já que estamos falando de filmes ruins que viraram grandes ícones, preparamos uma lista de filmes que foram mau produzidos, dirigidos e interpretados, tornando-se famosos por serem extremamente ruins, mas sendo até hoje lembrados por causa disso.
Plano 9 do Espaço Sideral - E para encabeçar nossa lista, seguimos para outro grande clássico dos filmes ruins, dirigido por outro diretor famoso por suas produções horríveis. Ed Wood ficou famoso por sua inventividade frente aos recursos de sua época, mas seus filmes apresentavam efeitos especiais ruins e pouca linearidade nos acontecimentos, levando-o a ser considerado o pior cineasta da história. Muitos dos recursos eram reaproveitados de outras produções, e todos os seus filmes mostraram a incapacidade dele em trabalhar nas áreas de produtor, diretor e escritor. Mesmo assim, o tom humorístico de seus filmes fez com que esses recebessem uma legião de fãs pelo mundo.

Um bom exemplo desse sucesso do diretor é o seu filme mais famoso, Plano 9 do Espaço Sideral. A trama desse filme de ficção científica consiste, basicamente, em alienígenas revivendo os mortos da Terra e transformando-os em zumbis e vampiros para extinguir os homens, evitando que esses, no futuro, construam a Solaranite, uma espécie de bomba movida pelos Sol e que ameaçaria todos os planetas existentes. Considerado por Wood como o seu “Cidadão Kane”, o filme foi taxado como o pior de todos em sua época, principalmente por causa dos efeitos pouco convincentes e da narrativa absurda e sem linearidade. Com o passar dos anos, porém, a produção foi arrecadando fãs pelo mundo, e se transformou em um clássico cult e um filme a ser lembrado, ao invés de para sempre esquecido.
Por causa de filmes como Plano 9, O nome de Ed Wood foi imortalizado na indústria cinematográfica e lhe rendeu, assim como Wiseau, seu próprio filme em homenagem. Ed Wood foi filmado 1996 e rendeu uma indicação a Johnny Depp como protagonista e o prêmio de Melhor Ator Coadjuvante para Martin Landau, que interpretou o também ator Bela Lugosi no filme.
Howard, O Super-herói - Hoje em dia, o Universo Cinematográfico da Marvel é um plano bem consistente, que rende filmes que sempre são extremamente aguardados pelos fãs dos super-heróis, com efeitos especiais surpreendentes e produções gigantescas. Em anos passados, no entanto, os filmes da Marvel eram vistos como algo extremamente ruim.
Se voltarmos a 1978, a primeira versão dos vingadores era extremamente mal produzida e contava com praticamente nenhum efeito especial. Aquilo que deveria ser um filme de televisão do grupo de heróis nem chegou a ser lançado. Contudo, o maior fracasso da Marvel é o filme de 1986, Howard, o Super-herói, estrelando aquele que talvez seja o herói mais estranho e não aceito da Marvel: Howard, o Pato. Sim, a Marvel produziu um herói que, na realidade, é um pato, e existe um filme sobre tal personagem. Seu enredo conta como Howard T. Duck foi tirado de seu planeta natal e levado para a Terra, onde ele deve ajudar os humanos a evitar uma invasão alienígena.

Mesmo que esse enredo não seja tão diferente de muitos filmes de super-heróis existentes, essa produção ingressou na lista dos 25 piores filmes de todos os tempos e recebeu, em 1987, o prêmio Framboesa de Ouro, sendo o principal filme que a Marvel gostaria de apagar de sua história. Ao mesmo tempo, o filme ganhou um status cult, e seus fãs defenderam a produção, alegando que as críticas severas foram extremamente injustas. O próprio criador de Star Wars, George Lucas, defendeu a produção e disse que Howard, o Pato, seria visto com melhores olhos nos anos que viriam. O filme atingiu tanto sucesso que recebeu uma significativa homenagem no atual universo cinematográfico, tendo feito aparições em ambos os filmes dos Guardiões da Galáxia.
Tubarão: A Vingança - Lembram-se do filme clássico de suspense e horror que o Spielberg produziu e que virou um grande sucesso e um clássico do cinema? Pois é. Alguém realmente pensou que seria uma boa ideia pegar a história do tubarão assassino e fazer não uma, mas três continuações.
Depois do sucesso estrondoso do primeiro filme, que inclusive provocou um medo real nas pessoas de irem à praia, as continuações que Hollywood insistiu em realizar foram se tornando cada vez piores, até caírem nas mãos do diretor Joseph Sargent em Tubarão: A Vingança. Nesse quarto filme, a esposa do chefe Brody, icônico personagem do primeiro filme, tem a sensação de que sua família está sendo perseguida por um novo predador marinho, nutrido de uma forte sede de vingança. O que se segue no enredo é uma busca por vingança de ambos os lados: o filho do antigo chefe de polícia persegue o monstro que matou seu irmão, enquanto o tubarão continua sua caçada sanguinária pela família Brody na Ilha Amity.

O filme é tão ruim que, mais ou menos como acontece com todas as sequências do clássico de Spielberg, as pessoas simplesmente esquecem que ele existe. A própria ideia de uma “vingança” já dá ao filme o ar errado, e o suspense que o original se preocupou tão bem em construir. Mesmo sendo esquecido por quase todo mundo, no entanto, o filme construiu um legado bem ruim para os filmes de horror em suspense em alto mar, dado a quantidade de filmes posteriores que voltariam a abordar a temática dos tubarões, tentando a todo custo repetir aquilo que Spielberg conseguira fazer.
Super Mario Bros. - Existe uma tendência sombria em Hollywood. De um modo geral, filmes que são adaptados de games não costumam fazer sucesso, e o resultado dessas produções muitas vezes é, apesar do bom material original com o qual eles lidam, muito ruim. E, se isso acontece com adaptações de jogos cujas histórias já são imaginadas pelos jogadores como possíveis filmes, imagine quando decidem pegar um game que, apesar de extremamente clássico, não se apresenta para os fãs como uma possibilidade para um filme.
Super Mario Bros foi uma dessas produções. Lançado em 1993, o filme tentou explorar a fama do personagem clássico da Nintendo e realizou uma adaptação live-action do jogo do Mario. Nesse filme de fantasia, o famoso encanador (interpretado por Bob Hoskins) e seu irmão Luigi (John Leguizamo) são enviados para uma outra dimensão onde seu arqui-inimigo, o Rei Koopa (Dennis Hopper) é um ditador tirânico. Seguindo a ideia original do jogo, os dois irmãos devem enfrentar os capangas de Koopa para resgatar a Princesa Daisy (Samantha Mathis) e impedir o vilão de mesclar as duas dimensões.

Com uma proposta diferente que altera o enredo do jogo original e cria uma versão mais sombria do mesmo, o filme recebeu inúmeras críticas negativas e é lembrado até hoje como o primeiro fracasso na tentativa de adaptar jogos para filmes. Contudo, sua “aceitação” pelos fãs e transformação em filme cult foram o que, provavelmente, impulsionou a indústria do cinema a alimentar as adaptações de jogos até os dias de hoje.
Troll 2 - O primeiro filme já não é grande coisa. O segundo, no entanto, apresenta um grande lado cômico no fato de ser muito ruim. Quando uma família em férias chega a uma estranha vila, eles logo descobrem que os habitantes de lá são na verdade duendes disfarçados que planejam devorá-los. Logo, o que deveria ser uma viagem familiar agradável se torna uma luta pela sobrevivência.
O filme realmente é um show de horrores, tanto em quesitos de roteiro como de atuação. Um dos pontos principais de estranhamento é que o segundo filme nada tem a ver com o primeiro (os monstros nem sequer são trolls). A colocação desse filme como uma sequência do filme Troll, de 1986, só ocorreu porque o estúdio acreditou que, conectando o filme com outro já existente, aumentaria seu índice de sucesso. Outro problema foram as dificuldades de diálogo entre o elenco americano e a equipe italiana. Como resultado, o filme se tornou um dos piores já feitos, resultando em críticas extremamente negativas que, contudo, não o impediram de conquistar uma grande quantidade de fãs nos anos seguintes, adquirindo uma espécie de culto ao seu redor, que culminou em um bem-sucedido documentário sobre a produção do filme, dirigido pelo ator do filme, Michael Stephenson, e intitulado Best Wprst Movie. Troll 2 também é famoso por algumas pérolas da péssima atuação, como a famosa cena abaixo.
A Reconquista - Esse era um filme que tinha tudo para dar certo. Uma produção gigantesca, que custou cerca de 75 milhões de dólares, um bom elenco, que contava com John Travolta no papel principal e Forest Whitaker como coadjuvante, e uma boa inspiração para um roteiro, visto que o filme é baseado no livro Battlefield Earth, de L. Ron Hubbard. A expectativa de sucesso era tão grande que Travolta, um dos produtores do filme, tendo em vista também facilitar a resolução do problema de adaptar um livro de mais de 1000 páginas, dividiu o roteiro e adaptou apenas metade do filme, esperando conseguir realizar uma continuação logo em seguida.

Na história, que se passa 1000 anos no futuro, a raça alienígena Psyclos conquista a Terra e a transforma em sua colônia. Nesse cenário, o herói terrestre Johnny Goodboy (Barry Pepper) lidera uma revolta para livrar o seu planeta das garras dos alienígenas e seu líder, Terl (John Travolta). O filme tinha tudo para ser um sucesso, mas acabou caindo na desgraça. As decisões de câmera do diretor Roger Christian foram duvidosas, o filme apresenta buracos de roteiro e situações que não fazem sentido, os personagens não são carismáticos (o alienígena de Travolta é, na realidade, extremamente irritante). Todo o trabalho de edição também ajuda para deixar esse filme extremamente monótono.
L. Ron Hubbard é o pai da Cientologia, religião seguida por Travolta, e seu livro é um clássico da ficção científica. O filme, porém, não obteve a mesma fortuna. Vencedor de 9 Framboesas de Ouro, o filme certamente teria caído no esquecimento completo, não fosse o seu infame status de “pior filme da década de 90”.
Batman & Robin - Para terminar, retornamos ao universo dos quadrinhos e dos heróis para falar sobre aquele que, possivelmente, é o pior filme de super-heróis já feitos. Antes de ser dirigido por Christopher Nolan, o Batman foi idealizado nos cinemas por Tim Burton, em duas produções que, embora não sejam tão boas quanto a trilogia do primeiro diretor, ainda assim fizeram grande sucesso, tendo Michael Keaton no papel do herói. Depois, a direção passou para as mãos de Joel Schumacker para dois novos filmes, onde Batman foi interpretado primeiro por Val Kilmer e depois por George Clooney, protagonista de Batman & Robin.

Na trama do filme, o herói e seu companheiro Robin (Chris O’Donnell) precisam evitar os planos do Sr. Frio (Arnold Schwarzenegger) e da Hera Venenosa (Uma Thurman) de congelar toda a Gotham City, enquanto enfrentam problemas em sua própria relação pessoal. O filme, que se assemelhava muito aos primeiros filmes de super-heróis e, por conta disso, não apresentava uma aura tão sombria quanto os mais atuais. Contudo, Batman & Robin cavou ainda mais fundo no buraco da desgraça que já havia começado com Batman Eternamente.
As atuações (principalmente a de Clooney) são muito fracas, os personagens são antipáticos e não nos fazem nutrir nenhum sentimento por eles, a trama em si é muito ruim, colocando demais da relação entre Batman, Robin e Alfred (Michael Gough), mesmo em cenas de luta onde esse tipo de diálogo não deveria acontecer. Para piorar, o filme parece algo saído de um programa juvenil. Os cenários são muito fantasiosos para serem levados a sério, os vilões estão sempre se vangloriando do seu plano e rindo aquelas gargalhadas do mal, esquecendo-se apenas de colocar o plano em prática. Os heróis também são a pura essência da “bondade”, o que os torna chatos e o filme entediante. Batman & Robin foi um marco dos filmes ruins e serve de parâmetro para termos uma ideia de como os filmes de heróis eram idealizados naquela época. Felizmente, com os filmes atuais de super-heróis, esse passado parece ter ficado para trás.
E você? Lembra de mais algum filme que tenha sido eternizado na memória do cinema justamente por ser muito ruim? Deixe nos comentários o seu filme ruim favorito!
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