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OS CONTOS DE FADAS E A TRANSFORMAÇÃO DAS HISTÓRIAS

  • Writer: Luís Henrique Franco
    Luís Henrique Franco
  • Feb 22, 2020
  • 7 min read

Updated: Jun 4, 2020



Compartilhar histórias é algo que faz parte da história humana desde os seus primeiros dias. Seja através da escrita, de filmes ou oralmente, é de nossa natureza narrar o que vemos, as nossas experiências e mesmo as nossas ideias mais fantásticas. Foi através do partilhamento de histórias que surgiram nossos mitos, nossos folclores e muitas de nossas maiores tradições culturais. E uma parte rica das histórias que contamos está nos contos, nas pequenas histórias, em geral carregando alguma visão de mundo, uma lição ou um aspecto importante do povo que as conta. Contos foram transmitidos tanto oralmente quanto através da escrita, e é normal que mudem com o passar do tempo, mas a sua essência ainda permanece a mesma.


E entre os tipos de contos mais conhecidos da sociedade ocidental, os chamados contos de fada assumem um lugar de destaque pelo seu papel na criação de narrativas fantásticas e do folclore de tradição europeu. Costumeiramente associados a uma ideia de histórias infantis, os contos de fada evoluíram muito ao longo de toda a sua existência. Sua origem é difícil de ser traçada, visto que os únicos remanescentes dessas histórias foram encontradas em livro e peças de literatura escrita. Pelo que se acredita, porém, elas datam de milhares de anos atrás, sendo uma das principais fontes do folclore desde os tempos pré-históricos.



Geralmente dotados de criaturas e acontecimentos fantásticos, contos de fada aparecem como uma presença constante nos ciclos de fantasia e são amplamente conhecidos na literatura medieval e nas novelas de cavalaria. A ideia de "fadas" vem associada a mulheres de lendária beleza e poderes mágicos extraordinários, que apareciam a humanos excepcionais para ajudá-los ocasionalmente em suas aventuras. Nessas narrativas, o herói ou heroína está em busca de realização pessoal e enfrenta problemas que servem como um processo de um ritual de iniciação. O próprio termo "fada" deriva do latim fatum, que significa "destino, fatalidade", indicando essa tendência para uma jornada onde o herói buscará aquilo que lhe foi reservado.



ALGO A MAIS DO QUE "HISTÓRIAS PARA CRIANÇAS"


Quando falamos em contos de fada, a primeira ideia que vem à cabeça de muita gente é a de histórias contadas para nós quando somos crianças e que nos levam a trabalhar a imaginação e observar seres fantásticos e acontecimentos além do possível. E, de fato, há muito nos contos de fada que remetem ao período de nossa infância, mas restringi-los a apenas isso é um erro sem tamanho. Apesar de sua inegável capacidade de entreter, essas histórias são muito mais do que uma diversão para as crianças. Segundo psicólogos, essas histórias carregam em si a capacidade de ajudar crianças a lidar com conflitos internos enfrentados durante o processo de crescimento.


Eles também podem ser encarados como um grande processo de jornada interior, que começa na chegada do herói a uma terra diferente e nova, o encontro com uma figura diabólica (uma bruxa, um ogro, etc.) e no conflito com essa e na resolução que celebra a derrocada da entidade maléfica e o "final feliz para sempre". Dessa forma, os contos de fada traduzem aquilo que, anos mais tarde, Propp classificaria e destrincharia ao falar da sua "jornada do herói".


Contudo, essa ainda é uma visão atualizada dos contos de fada. Em sua versão original, nenhum deles se voltava para o público infantil. Os primeiros contos fantásticos, surgidos nas culturas galesa e celta, traziam uma grande quantidade de temáticas sérias e horrendas, como adultérios, incestos e mortes cruéis, e eram destinados a serem lidos para um público adulto em reuniões sociais. Mesmo histórias clássicas, como Chapeuzinho Vermelho e A Bela Adormecida, traziam em seu conteúdo cenas tremendamente fortes para serem narradas para crianças.


Boa parte do conteúdo das primeiras histórias a se encaixarem como contos fantásticos, presentes nas novelas de cavalaria bretãs e celtas, incluindo o ciclo arturiano, moldaram praticamente toda a mitologia ocidental medieval e moderna, mas seu conteúdo está muito longe de algo destinado ao entretenimento infantil.




DE PERRAULT AOS IRMÃOS GRIMM: A MODERNIZAÇÃO DOS CONTOS


A versão popularizada hoje em dia dos contos de fada, que possuem um viés mais voltado ao público infantil, com narrativas suavizadas e expurgadas de conteúdos mais adultos, teriam sido popularizadas no século XVII na França. Naquela época, Charles Perrault publicou os seus "Contos da Mamãe Gansa", destinados originalmente a exaltar e defender a literatura francesa e que só depois de algum tempo assumiram um caráter mais infantil. A Mamãe Gansa era uma figura familiar do folclore francês, caracterizada como uma velha sempre cercada por seus inúmeros filhotinhos, que se reuniam ao seu redor para ouvir suas histórias. Entre os contos clássicos publicados entre essas histórias, estão Chapeuzinho Vermelho, A Bela Adormecida, A Gato Borralheira, O Pequeno Polegar e o Gato de Botas.



Os contos de fada ganharam um novo reforço dentro do folclore francês no começo do século XVIII quando Gabrielle-Suzanne Barbot escreveu aquele que seria o seu mais famoso conto: A Bela e A Fera. Contudo, esse tipo de história sofreu um grande desinteresse por parte do público adulto após a Revolução Francesa.


Foi só no século XIX, coma introdução dos estudos de Gramática Comparada, que as histórias folclóricas de diferentes povos voltaram a ser alvo de interesse dos estudiosos. Nessa época, quase cem anos depois da publicação dos "Contos da Mamãe Gansa", os irmãos Jacob e Wilhelm Grimm, iniciaram um logo trabalho de coleta de narrativas populares de tradição oral, lançando, entre 1812 e 1822, uma coletânea de mais de 100 contos de fada para crianças e adultos. As versões dos Irmãos Grimm talvez sejam hoje as mais conhecidas dos contos de fada clássicos que chegaram até nós, e incluem diversas histórias memoráveis, entre elas o clássico João e Maria.



A literatura de contos de fada realmente infantil, porém, é obra do dinamarquês Hans Christian Andersen, que publicou, entre 1835 e 1872, mais de 200 contos de folclore popular e de sua própria lavra, entre os quais estão A Pequena Sereia, A Princesa e A Ervilha, O Patinho Feio, A Roupa Nova do Imperador e Sapatinhos Vermelhos.



OUTRAS NARRATIVAS E A CHEGADA NO CINEMA


Os contos de fada encontraram um novo período de dificuldades na segunda metade do século XIX. Foi a época do chamado "fantástico absurdo", que teve como um de seus principais expoentes o britânico Lewis Carroll, que em 1865 publicou Alice no País das Maravilhas. Em 1883, Carlo Collodi também obteve sucesso ao misturar o maravilhoso com o racionalismo na sua obra Pinóquio, que se tornou um dos maiores sucessos da literatura infantil mundial.



No século XX, com a explosão do cinema e das novas mídias, os contos de fada rapidamente foram readaptados para versões cinematográficas. As mais famosas atualmente, porém, vieram do trabalho de Walt Disney, que criou um vasto universo de animações baseadas em contos de fada e, desde seus primeiros anos, trabalhou na adaptação dessas histórias para o universo das novas mídias. Inúmeras produções marcaram história, como Branca de Neve e Os Sete Anões (1937), A Pequena Sereia (1989), Peter Pan (1953), A Bela e a Fera (1991), Aladdin (1992), Cinderella (1950), A Nova Onda do Imperador (2000), entre muitos outros. Essas animações se consagraram como grandes clássicos hollywoodianos e colocaram os contos de fada de volta no centro das histórias da sociedade ocidental.



Ao mesmo tempo, esses filmes talvez sejam os maiores contribuintes para a expansão da crença de que contos de fada são histórias infantis. Isso porque, com tramas mais leves e sem os grandes tons de seriedade e temas completamente adultos que suas versões mais antigas, esses filmes fixaram seu público alvo nas crianças, abandonando por muito tempo seus traços mais sombrios e estabelecendo narrativas mais "amigáveis" que os tornaram extremamente populares ainda nos dias de hoje e impulsionaram muitas das readaptações em live-action que ocorrem nos últimos tempos.



A VOLTA DO OLHAR SÉRIO: UMA NOVA TENDÊNCIA OU APENAS RECICLAGEM?


Recentemente, alguns filmes parecem ter se dado à tentativa de explorar novamente os aspectos mais sombrios dos contos de fada, criando adaptações mais sérias das histórias mais famosas. Algumas apenas desenvolveram a trama de maneira a criar um conteúdo voltado a um público mais velho (não necessariamente adulto em alguns casos), como foi o caso de Branca de Neve e o Caçador, que manteve um aspecto mais bem-humorado e um tema de aventura, mas explorou os conceitos da história de uma forma mais sombria e séria do que a versão de Disney, embora ainda se mantenha como um filme de aventura.


Alice no Páis das Maravilhas também recebeu uma outra tonalidade nas mãos do diretor Tim Burton, que levou mais à fundo as questões fantásticas e absurdas do livro e a da animação, dando ao conto um toque de macabro que é a marca registrada do diretor.



Além desses, ganharam força novas adaptações que contam a história de personagens coadjuvantes e aprofundam questões que não são tratadas nas adaptações anteriores. É o caso do remake de A Bela e A Fera de 2014, com Léa Seydoux e Vincent Cassel, e de Malévola, que coloca a vilã de A Bela Adormecida como a protagonista da história. O terror parece também ser uma saída interessante para recontar essas narrativas, revivendo os aspectos tenebrosos e sombrios dos contos antigos. A série de Tv Grimm ganhou notoriedade por explorar esse lado, colocando os contos e as criaturas das histórias em investigações criminais e momentos de tensão e suspense. Alguns filmes que caminharam por esse caminho também são A Garota da Capa Vermelha e o novo longa de terror Maria e João: O Conto das Bruxas.




No entanto, essas constantes adaptações nos apresentam histórias que, mesmo com as mudanças propostas, nos soam por demais familiar. Ao que parece, descobriu-se que esses contos folclóricos tão antigos podem ser contados de maneiras diversas e, agora, o cinema só faz trazer essas mesmas narrativas sob olhares diferentes e em gêneros diferentes. Por um lado, é extremamente interessante explorar o potencial que os contos de fada têm de se adaptarem aos novos tempos, mas a sua readaptação incessante soa mais como uma reciclagem de velhas ideias do que uma tentativa de manter os contos vivos.



 

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