OSCAR 2020 - DOR E GLÓRIA: A REFLEXÃO INTIMISTA DE UM CINEASTA MELANCÓLICO
- Lucas Campos
- Feb 8, 2020
- 5 min read
Updated: Feb 9, 2020
Dor e Glória (Dolor y Gloria) chega ao Oscar 2020 com duas indicações e bem aclamado pela crítica. Antonio Banderas também concorre pelo filme na categoria de Melhor Ator, com sua primeira indicação em sua extensa carreira. O filme ainda concorre a Melhor Filme Estrangeiro, categoria já vencida pelo diretor, Pedro Almodóvar.

O longa narra a história de um cineasta melancólico que lida com questões da velhice enquanto olha para trás e reflete sobre sua vida. Apesar do diretor ter negado que se trate de uma “obra autobiográfica” as similaridades estão até na aparência do personagem principal e é difícil refutar a teoria que esse representaria um Alter Ego do renomado diretor. A questão da maturidade é um tema central na obra, na medida que, o personagem principal, Salvador Mallo, está passando por uma nova fase da vida, a velhice com seus desafios. Salvador (Antonio Banderas) não consegue se adaptar aos tempos de dor, onde está sozinho e melancólico, e não pode mais exercer o amor da sua vida dos tempos de glória - o cinema. A questão do amadurecimento passa também nos flashbacks nos quais Salvador se lembra da infância, da relação com a mãe, da primeira atração por um homem… O filme aborda temas muito universais, Salvador ainda se envolve com drogas, e o vício têm grande peso na obra; A solidão, a saudade, transtornos mentais, além do duro reconhecimento de que se está em declínio. O filme é muito contemplativo e melancólico, mas um melancólico cheio de vida.
A arte, e em especial o cinema, é colocado como o motor que alimenta Salvador, e essa é a mesma resposta para que ele se recupere dessa sua apatia. Há elementos artísticos por toda parte: A música, do coral que Salvador cantava; O desenho e a relação com seu primeiro aluno, Lorenzo; O Teatro, como motor da amizade com Alberto Crespo e reflexão de um antigo amor. A arte é justamente o motor do filme, e simboliza um motor da vida. Isso encanta e acima de tudo inspira qualquer cinéfilo. O filme respira arte e reflete a vida.

Nesse tom contemplativo e de reflexão interna, o ritmo do filme obviamente é mais lento, e definitivamente, não é pensado para agradar todo mundo. Nada de grandes explosões, cenas de ação, ou até plot twists inimagináveis. O minimalismo é chave no roteiro e o encanto vem do habitual, do simples. Aqui o foco é a reflexão sobre a vida a partir da Arte e, na minha visão, esse é o ponto que traz empatia com o espectador. Temas universais, reflexões sobre o passado, e um amor pelo cinema - não como resposta aos problemas eu diria, mas como um chamado irrecusável - uma necessidade intrínseca da arte na vida. Eu ousaria dizer que temos um filme sobre um cineasta, para cinéfilos.
ÁREAS DE PRODUÇÃO
Seguindo a chave do minimalismo, a direção de Almodóvar poderia ser resumida em uma palavra: Coerente. Os conceitos são claros, e perpassam todas as áreas de produção, a suavidade de um filme intimista e a simplicidade são chave nesse trabalho.
Na fotografia isso aparece por meio de movimentos de câmera muito suaves, algumas vezes quase imperceptíveis, além de uma iluminação que trabalha com sombras suaves, e uma luz que evita contraste e tons muito dramáticos (ou melodramáticos). A trilha sonora é belíssima e também trabalha com uma suavidade que ajuda a construir continuidade A montagem leva esse conceito ao extremo, com transições brilhantes, e um ritmo, que pode parecer arrastado para alguns, mas é essencial para potencializar as atuações e dar tempo para a reflexão.

Até a arte que costuma estar marcada nos filmes de Almodóvar com cores marcantes e texturas chamativas, aqui se mostra mais “branda”. Ainda é possível reconhecer a assinatura do diretor, com vermelhos vívidos muito presentes, ou no cenário da casa de Salvador com cores vibrantes, mas tudo muito bem pensado dentro de uma lógica realista e plausível. Nada salta aos olhos ou chama um protagonismo exposto para arte. Há uma harmonia que respeita a suavidade do filme, mesmo dentro da característica marcante do diretor.
Esse é um ponto primoroso, não há um destaque em alguma área (até por isso acredito que só foi indicado para melhor filme estrangeiro e melhor ator) o destaque é justamente o conjunto. Nenhuma área busca um brilho ou se sobressair a outra, chamar atenção para si. O foco é a história, e uma mão surpreendentemente ponderada em se tratando de Almodóvar nos traz um tom muito preciso e uma atmosfera clara.
ATUAÇÃO E OSCAR 2020

A atmosfera intimista e minimalista também está presente na atuação. Antonio Banderas está muito bem, em um filme muito melancólico e sentimental, se toma muito cuidado para não cair no melodramático. Uma atuação muito complexa, e que normalmente não salta, assim como as outras áreas da produção, aos olhos. Nada de gritos, ou brigas, a força da atuação está justamente nos detalhes.
Aqui vale um parêntesis para ressaltar um belo trabalho de figurino, e de cabelo e maquiagem que agregam na atmosfera de uma saúde mental em declínio, e também nos diferentes estágios emocionais do personagem. A atuação de Banderas é muito física e silenciosa, desde olhares, o rosto contemplativo, até a encarnação do personagem na dor. O detalhe da dor nas costas para sentar no táxi, a careta ao levantar do chão agachado, cada detalhe agrega e constrói um personagem real, no qual não se vê encenação.
Um bom exemplo disso está no também ótimo trabalho de Asier Etxeandia, que faz um Alberto Crespo extremamente rotineiro e realista. Em um momento do filme, porém, seu personagem representa um outro personagem dentro de uma peça teatral, e aí vemos a potência do ator, no que corriqueiramente se associa a uma boa atuação.
Antonio Banderas encarna seu personagem e toda sua movimentação lembra a de um velho melancólico. Sua atuação, muito física, lembra um pouco nesse aspecto Joaquin Phoenix em Coringa, apesar de o primeiro trabalhar a velhice e o segundo a loucura. Normalmente eu diria que a atuação de Banderas é favorita de Oscar, mas a concorrência esse ano prejudica Dor e Glória. O próprio Joaquin Phoenix é o mais cotado para ganhar a estatueta, e Adam Driver é visto como a possível “zebra” para desbancá-lo em História de um Casamento. Ainda temos Dicaprio, que é sempre um nome de peso, e Jonathan Pryce em Dois Papas, vivendo ninguém menos que Papa Francisco. As chances de Banderas são mínimas nesse cenário, e eu gostaria muito de estar errado, mas acho que ele não leva o prêmio para casa.
Quanto à categoria de melhor filme estrangeiro, fica difícil apontar qualquer coisa com Parasita entre os indicados. Tendo vencido a Palma de Ouro, e o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro, Parasita é o favoritismo, e com mérito, para a estatueta de melhor filme estrangeiro.
Em resumo se trata de um belíssimo de filme, que por mais que não tenha grandes chances de levar um Oscar para casa, não deve ser considerado menos por isso. Acho que sua própria forma não facilita premiações, na medida que é um filme de conjunto, onde é muito difícil separar as áreas. Com um tom muito intimista, e um potencial de reflexão muito grande, o filme toca e emociona, e é mais do que recomendável para um amante da sétima arte.
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