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OSCAR 2020 - UMA LIÇÃO INSPIRADORA DE COMPAIXÃO E PERDÃO EM DOIS PAPAS

  • Writer: Lígia Franco
    Lígia Franco
  • Feb 9, 2020
  • 5 min read

Dois Papas é filme dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles (diretor de Cidade de Deus) é aspirante ao Oscar nas categorias de Melhor Ator, Melhor Ator Coadjuvante e Melhor Roteiro Adaptado, mais uma vez com produção da Netflix.



O filme, que levantou polêmicas e dividiu a opinião pública, nos conta a história de Jorge Bergoglio, um bispo argentino, que após decidir se aposentar para se tornar um simples padre aos 75 anos de idade, vai ao Vaticano a encontro do então Papa Bento XVI, pedindo que este aprove sua aposentadoria. Antes desse momento, o filme nos leva ao ano de 2005 para mostrar como ocorre todo o processo de eleição de um papa, com todas as regras de vestimenta, a tradição da fumaça que sai pela chaminé, a votação feita pelos diversos cardeais que ficam reclusos em seus momentos de reflexão e oração sob o teto da Capela Sistina. Fazendo essa breve retrospectiva, o filme apresenta a eleição de Bento XVI e aproveita o gancho para salpicar aspectos das personalidades dos dois personagens: Bergoglio e Ratzinger (o Papa Bento), que irão se encontrar mais pra frente.


O que ocorre porém, é que Bento XVI se recusa a aceitar o pedido de aposentadoria de Bergoglio. Os dois passam alguns dias juntos nos jardins e salões do Vaticano tendo longas discussões a respeito de suas filosofias de vida, que demonstram o quanto são pessoas extremamente diferentes, apesar de professarem a mesma fé. O que fica claro é que Bento XVI procura em Bergoglio os mesmos valores que sempre estimou, para que ele, como seu sucessor, viesse a manter esses valores e tradições na igreja. Contudo, após conhecer o homem humilde, que prega uma busca pela simplicidade e acredita na desconstrução dos valores retrógrados dessa mesma igreja, Bento acaba se convencendo de que Bergoglio realmente é a melhor escolha para substituí-lo, num momento tão delicado para a comunidade católica.



Roteirizado por Anthony McCarten, o filme hipotetiza como seria esse encontro entre os dois personagens, trazendo diversos aspectos da realidade com uma boa dose de ficção. Afinal a conversa e esse encontro específico entre os dois papas, na verdade nunca aconteceu. McCarten cria aqui personagens totalmente inspiradas nas personalidades e histórias de vida dos religiosos, que diga-se de passagem fazem jus total a essas personas da vida real e que representam um grande desafio ao humanizar figuras tão santificadas na nossa sociedade, o que demonstra um primoroso trabalho de pesquisa. Para além disso o filme se utiliza e muito de material de arquivo a fim de estabelecer ainda mais esse vínculo com a realidade. Portanto, além da aproximação sincera das atuações de Jonathan Pryce e Anthony Hopkins, que concorrem respectivamente aos prêmios de Melhor Ator e Melhor Ator Coadjuvante, o filme se aproxima da realidade ao trazer fatos e momentos históricos da religião católica, que ocorreram recentemente após a morte do antigo Papa João Paulo II, como a eleição de Bento XVI, sua renúncia, os escândalos de corrupção e pedofilia dentro da igreja, a chegada de Francisco e consequentemente as transformações e reformas realizadas na igreja católica desde então, que nos últimos anos vinha caminhando para um decréscimo do número de fiéis.


As atuações tanto de Pryce quanto de Hopkins são maravilhosas. Além da similaridade física, as personalidades dos papas se sobressaem na medida em que contracenam, e o roteiro, assim como as atuações, deixa muito marcado o contraste que há entre eles. A história de Jorge Bergoglio também é visitada em determinados momentos, mostrando um relacionamento do passado que chegou a ser um noivado, mas que não vingou, além da ditadura na Argentina que afetou a vida de milhares de pessoas no país e que causou um sentimento de culpa muito grande na vida de Bergoglio. Os dois atores apresentam uma química muito forte, seja na forma como se relacionam, com a misencene, os olhares e reações, o diálogo entrecortado que em determinados trechos se torna mais enérgico, mais melancólico, demonstrando surpresa, insatisfação, fazendo grandes revelações, ou demonstrando um certo desdém, como na própria dificuldade que há no início em estabelecer um vínculo entre esses dois homens que são tão diferentes, trabalha na busca dessa humanização das personagens. Ao tocar em tantos assuntos polêmicos, a maioria dos diálogos entre os dois não apresenta uma conclusão. Em alguns momentos eles estão quase que numa competição de argumentos e palavras afiadas. Entretanto, vemos ao longo do filme o processo de construção de uma cumplicidade entre os dois papas, que mesmo com tantas contradições vai aos poucos encontrando brechas que os aproximam, como na cena em que Ratzinger toca seu piano para Bergoglio, quando Bergoglio insiste em ensinar Ratzinger a dançar tango ou até mesmo quando os dois trocam confissões e mais no final quando, apesar da rivalidade, assistem à copa do mundo de 2014 juntos. Aspectos completamente ficcionais, mas que constroem pontes entre personagens tão distintos. Uma valiosa e bela lição sobre compaixão e perdão para os dias atuais.



A fotografia belíssima trabalha com diferentes tipos de plano, geralmente iniciando com planos mais abertos que apresentam o espaço e contexto e vão se fechando até chegar em planos detalhes de olhos, dedos, canetas, agulhas e close-ups. Temos muitas câmeras na mão, com movimentos livres que buscam o reenquadramento, zoons que direcionam o olhar, desfoque. O preto e branco maravilhoso que se apodera da imagem nos momentos de flashback do Papa Francisco, um poderoso trabalho de iluminação com recortes, sombras, flares, silhuetas marcadas, um contra-luz incrível nas cenas externas e as bem utilizadas luzes práticas que compõem o cenário. Vemos cenas muito bem contrastadas e cenas sem tanto contraste que puxam pra um high-key, sempre a serviço de contar a história, trazer as emoções do momento e as vezes perseguir uma estética que se aproxima de algo documental, a fim de manter uma continuidade com os materiais de arquivo utilizados.


A montagem também não passa nem um pouco despercebida. Além da utilização de material de arquivo como já mencionado, temos uma montagem bastante recortada em algumas cenas, como a do conclave no início do filme. A montagem frenética apresenta cenas que se repetem, se mesclam com as imagens de arquivo de repórteres e dos cardeais adentrando a Capela, a falta de continuidade com o raccord, aliada à música “Dancing Queen” do grupo Abba, faz dessa uma das sequências mais interessantes do filme, que nos mostra bastante a mão do diretor Fernando Meirelles. Em situações de tensão e discussão entre os personagens, a montagem cria um ritmo que constrói muito bem a sensação que temos quando estamos discutindo com alguém e vários argumentos são lançados e rebatidos, apresentando por vezes a resposta de um com a imagem do outro e vice versa, dando uma ideia de inconclusão e de uma passagem de tempo não muito precisa, já que em determinados momentos os personagens estão num cenário, logo em seguida estão em outro, porém a conversa ainda é a mesma.


Outro aspecto do filme que não passa despercebido é o som. Como mencionado acima, a escolha pela música “Dancing Queen”, um tanto quanto inusitada, traz uma certa ironia para um momento de tanta seriedade que é o conclave, e que numa cena anterior era cantarolada pelo Bergoglio. Temos, portanto, um som que se constrói muito na figura do personagem principal, ou seja um som muito narrativo, que não está ali apenas para fazer ouvir os personagens ou contextualizar, mas também construindo uma narratividade, dando emoção, brincando com a própria subjetividade do personagem, como na cena em que o Papa Bento confessa para Bergoglio seu pecado e nesse momento o som é abafado.



Dois Papas é um filme muito bonito e inspirador, brilhantemente interpretado, com uma direção poderosa e aspectos que conversam e se encaixam num belo roteiro. Uma obra incrível da Netflix que com certeza é merecedora das indicações! Apesar de tantos elogios, não acredito muito que leve o prêmio de Melhor Ator porque concorre na categoria com o Coringa, incrivelmente interpretado por Joaquin Phoenix, mas acredito sim que Dois Papas possa levar o prêmio de Melhor Ator Coadjuvante para Hopkins. Estamos na torcida!



 

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