ESPECIAL OSCAR - MELHOR ROTEIRO ORIGINAL 2018
- Ulisses MRF
- Mar 3, 2018
- 6 min read
Updated: May 23, 2019

O Oscar de melhor roteiro original sempre revela surpresas. Sabe-se que na sétima arte não basta ter uma história boa, é preciso saber contá-la. Ou seja, os roteiros originais muitas vezes revelam boas ideias que podem, ou não, ser bem executadas. Para 2018 temos mais ou menos dois polos. Histórias surpreendentes que enganam o espectador que achou que encontraria um filme simples ou uma comédia boba. Por outro lado, histórias marcantes, talvez parecidas com um clichê, mas que acabam revelando perspectivas novas sobre temas como amor e crescimento. Os grandes indicados desse ano são: Doentes de Amor (The Big Sick - 2017) de Emily V. Gordon e Kumail Nanjiani; A Forma da Água (The Shape of Water - 2017) de Guillermo del Toro; Lady Bird: A Hora de Voar (Lady Bird - 2017) de Greta Gerwig; Três Anúncios para Um Crime (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri - 2017) de Martin McDonagh e Corra! (Get Out! - 2017) de Jordan Peele.
CORRA!

Um filme que o espectador vai acabar se surpreendendo. Um roteiro original com misto de humor, suspense e horror e qualquer palavra além disso pode entregar algo da trama genial. Acontece que Corra! sabe lidar com temas delicados de maneira prática e visual, o roteiro permite que qualquer um se coloque no lugar do protagonista, um lugar de visível desconforto, desconfiança, medo e tensão. Dividido em três atos básicos, a tensão é construída ao longo do filme, enquanto aos poucos ele começa a entregar peças do quebra-cabeças que está sendo montado, quem assiste fica abismado, desesperado e ansioso para entender a história, que em alguns momentos é entregue de maneira fácil demais (principalmente ao explicar o que está acontecendo...flashbacks e vídeos não são a melhor opção para fazer o espectador pensar). Concomitante a essa linha de tensão é construído um alívio cômico que instiga e dá fôlego para a continuidade do filme, porém em alguns momentos se excede e faz graça demais... O mais surpreendente é que um filme recheado de suspense e tensão tenha sido escrito por um comediante!
TRÊS ANÚNCIOS PARA UM CRIME

Apresentando uma cidade pequena no sul dos Estados Unidos (Ebbing, Missouri), o filme consegue abordar diversas questões a partir das perspectivas de um crime e do desespero de uma mãe para encontrar respostas e conforto. Seguindo basicamente o plano dos três anúncios expostos na cidade e a lógica de causar um rebuliço na cidade até que o caso seja resolvido, o roteiro consegue emocionar em pouco tempo de filme pela qualidade e veracidade dos diálogos expostos que tornam o apego e a empatia por certas personagens mais rápido, assim como a raiva e o desprezo por outras! Discutir questões raciais, de gênero e de orientação sexual partindo de uma cidade majoritariamente conservadora e sem apelar para discursos panfletários é muito difícil, porém é nas relações entre as personagens de Três Anúncios Para um Crime que se torna perceptível o arrependimento, o amor, a frustração e a mudança de postura. O mais interessante, no entanto, é que mesmo trabalhando com um caso de crime a ser solucionado ele não se atém aos clichês de respostas fáceis ou soluções casuais, o que torna as eventuais coincidências excitantes pelas possibilidades que oferecem de incrementar a história. Um roteiro completo em que a transformação das personagens é vista em suas falas e ações, assim como a própria transformação do clima do filme, que não chega a terminar de maneira positiva ou negativa, mas sim agridoce, como a vida.
A FORMA DA ÁGUA

Um romance que fala mais sobre uma época que sobre um casal em si. Uma história que revela mais da psiquê humana da modernidade que personagens selecionados. Uma história de amor que assusta e surpreende, mas que quando trabalha com o riso e com o inusitado dos monstros de Del Toro acaba funcionando. A apresentação das personagens é contida e trabalha cada palavra e ação que eles fazem, deixa bem claro o que cada um deles pode fazer. Ao apresentar o romance principal, o roteiro prefere passar uma sensação de cotidiano e repetição, alguns momentos são marcantes no fortalecimento da relação, porém a sensação que fica é que aconteceu rápido demais. O vilão do filme tem suas motivações bem claras e o link com a época do filme é perfeita e sutil em diversos momentos, somente uma das ideias dele é colocada de maneira abrupta e funciona para gerar uma repulsa contra o personagem que poderia ter sido trabalhada de outra maneira para ser menos apelativa. O momento que o roteiro escolhe para colocar sua história no tempo é deveras importante e liga muito bem todos os temas: a Guerra Fria e a perda do encantamento do mundo, uma última tentativa de salvar a fantasia e o amor frente ao desespero que viria ao perceber o que o filme mostra: os verdadeiros monstros estão entre nós.
LADY BIRD: HORA DE VOAR

Um filme sobre a formação de um ser humano adulto, sobre descobertas e autoconhecimento, mas também um filme com um quê de espírito americano. Lady Bird é forte em seus diálogos entre mãe e filha com grande mérito para as atrizes, porém, mesmo homens ou pessoas que não tiveram uma relação próxima com a mãe conseguem se identificar com o amor e ódio da adolescência. Também é mérito do roteiro lidar com uma época, com um momento e um espaço que marcaram a construção da maneira de pensar da atualidade, o início da internet, a mecanização do trabalho e a substituição de senhores experientes por jovens em diversas carreiras, os atentados terroristas e a guerra ao terror, são nuances que aparecem em Lady Bird e aproximam o filme da realidade e de um determinado público que também viveu isso. Um dos pontos que talvez o diferencie de outros filmes de formação, por exemplo de Boyhood, é a vontade da personagem de “crescer na vida” e sair de seu mundo pequeno em Sacramento e apesar das dificuldades e problemas ela consegue fazer o quer. O filme se revela impulsionador de uma visão de empreendimento individual e luta por seu espaço que faz parte da cultura estadunidense e pode agradar segmentos do público. Ressalto que não é um ponto ruim do filme e sim um elemento que aparece em segundo plano, mas que pode reduzir as surpresas do roteiro após certa reflexão.
DOENTES DE AMOR

Inicialmente o filme aparenta ser uma comédia romântica simples em que um casal se conhece de maneira inusitada. Ele comediante e ela estudante em Chicago. O humor está bem presente e aparece naturalmente como parte do cotidiano do rapaz, que é paquistanês e mudou-se com a família para os Estados Unidos. Ao lidar com os dilemas da vida de imigrante, entre a piada e a discussão séria, o filme ganha pontos e profundidade, consegue fazer ligações bem claras com a história recente dos Estados Unidos e com as ondas de xenofobia da atualidade. Além de diálogos reais, irônicos e corriqueiros, o roteiro ganha pelos momentos em que o rapaz se vê colocado em encruzilhadas, o que graças ao ator (colocar o nome do ator) Kumail Nanjiani, desperta um misto de compaixão, riso e esperança nos momentos certos. Sabe ser engraçado e sério quando deve, porém caminhando para o fim aparenta subverter um clichê do gênero, mas acaba fazendo isso pela metade e deixa um gostinho de que podia ter ido além e mostrado algo, talvez, mais próximo da realidade.
Enfim, percebe-se que todos os roteiros tratam de temas muito ligados às discussões da atualidade, o que é incrível, mesmo aqueles que apresentam épocas anteriores ou situações absurdas. Uma temática que vale a pena destacar é o protagonismo de grupos historicamente oprimidos, mulheres e negros principalmente, que são colocados em papéis de destaque em roteiros que tratam de assuntos delicados de maneira sublime. Dessa forma, fica claro que a escolha de Melhor Roteiro Original no OSCAR tem também um papel político e de relevância social, com toda certeza somando se ao fato de apresentar uma boa história.
E O OSCAR VAI PARA...
Entre os palpites para uma possível organização da colocação desses roteiros devemos pensar também no histórico de premiação dos roteiros da academia. A valorização de bons diálogos e histórias que enaltecem determinado discurso ou posição, além, é claro, de roteiros que surpreendam e toquem as emoções dos membros da academia. É possível elencar Corra! em primeiro lugar pela surpresas que apresenta e pela forma como carrega a tensão até o fim, de maneira calma e fluente. Em segundo lugar podemos destacar Três Anúncios para um Crime, trazendo uma posição entre o emotivo e o desprezível com diálogos realistas que mostram quem são os personagens. Em terceiro e quarto lugar ficariam A Forma da Água e Lady Bird , filmes que tem seus destaques de roteiro, porém são um pouco mais parecidos com histórias já feitas, o que não é de todo ruim, pois apresentam inovações, porém ainda se prendem muito às limitações de seus respectivos gêneros. Em último lugar, muito pelas escolhas costumeiras da academia, Doentes de Amor, uma história boa e envolvente, porém pelo tipo de filme, uma comédia, e por simplificações demais acaba sendo um pouco ofuscado.
Não deixe de conferir todos os textos do Especial OSCAR 2018 da Flit! Assista aos filmes e não se esqueça de deixar seus comentários. A Cerimônia de entrega das estatuetas acontece no domingo, dia 04 de março!
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