O ANTI-HERÓI NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
- Luís Henrique Franco
- May 17, 2018
- 6 min read

Os heróis são figuras proeminentes na cultura humana desde tempos imemoriais. Isso porque, em toda história contada, existe um protagonista heroico, aquele que carrega os ideais de uma nação sobre o que é correto e justo e que enfrenta, por causa disso, os seus vilões, caracterizados como aqueles que defendem o ideal oposto e procuram trazer destruição para a sociedade como a conhecemos. Outra grande marca de qualquer herói é o de obter a vitória por métodos que condizem com as ideias vigentes em nossa sociedade, respeitando as leis e preservando a vida de todos os cidadãos da sociedade.
Contudo, o mundo tem presenciado, já há um bom tempo, o surgimento de um novo tipo de personagem: o anti-herói. Caracterizado geralmente como um vigilante ou um mercenário, o anti-herói é alguém oposto ao herói tradicional, no sentido de não seguir exatamente as regras e leis da sociedade, preferindo fazer aquilo que está a seu alcance para vencer, mesmo que seja algo que não é bem visto pela sociedade.
Nos dias atuais, um grande número de anti-heróis tem aparecido no cinema e na TV e conquistado inúmeros fãs, como pode ser demonstrado pelo sucesso do filme Deadpool, que retrata o Mercenário Tagarela da Marvel em sua luta contra os cientistas que destruíram seu corpo para lhe dar superpoderes. Uma continuação está planejada para estrear no dia 17 de maio. Assista ao trailer.
O anti-herói é, como seu próprio nome já diz, oposto ao herói tradicional: suas ações muitas vezes visam mais o seu próprio benefício do que o benefício de uma sociedade inteira, e ele certamente não carrega a mesma moral que uma sociedade inteira. Na realidade, sua moral própria é, muitas vezes, desapreciada pela sociedade. Dois exemplos muito famosos no universo Marvel são o próprio Deadpool e o Justiceiro, este segundo sendo um ex-soldado que não conhece escrúpulos quando se trata de lidar com criminosos, matando-os e torturando-os de maneiras incrivelmente cruéis. Por sua recusa em seguir o sistema de justiça determinado, o Justiceiro é perseguido pelo mesmo como um criminoso, mas seus atos miram apenas naqueles que fizeram mal a ele ou a alguém da sociedade, o que nos leva a perguntar: seria ele um mocinho ou um bandido que mata outros bandidos?

É esse questionamento que circunda todo anti-herói. Pela narrativa, que coloca eles como protagonistas, somos levados a acreditar que estamos acompanhando o mocinho, mas a maneira como ele realiza seus atos, aquilo que fala, seus princípios, tudo nos leva a por em dúvida se ele realmente é “bonzinho” da história. Uma prova de como é difícil ver o anti-herói com um mocinho é a quantidade de ex-vilões que, em determinado momento da sua história, começaram a atuar ao lado dos heróis tradicionais ou no combate a outros vilões. Os maiores exemplos disso são o Esquadrão Suicida, grupo formado por vilões e inimigos da DC Comics que é reunido para ser enviado em missões perigosas com o intuito de, se eles morrerem, não farão muita falta; e o Venom, arqui-inimigo do Homem-Aranha que assumiu um papel de protagonista em suas próprias histórias e se tornou um combatente do crime, mas que mantém seu aspecto de predador simbionte e de ser vingativo em suas ações.
Os anti-heróis, no entanto, não ocupam espaço apenas nos quadrinhos e filmes/séries derivadas deles. Muitos outros filmes também incorporaram esse tipo, resultando em personagens extremamente amados do cinema e que são lembrados até hoje, como Max Rockatansky (Saga Mad Max), Travis Bickle (Taxi Driver), Jack Sparrow (Saga Piratas do Caribe), V (V de Vingança), Thelma e Louise (Thelma & Louise), entre outros. Nas séries, inúmeros personagens também conquistaram um grande público, como Jax Teller (Sons of Anarchy), Tony Soprano (The Sopranos), Dexter Morgan (Dexter) e Walter White (Breaking Bad).


Outra grande mídia que adora explorar o anti-heróis é o mundo dos games. Por explorarem muitas vezes um conteúdo de aventura e ação, os jogos valem-se muitos de protagonistas que são capazes de realizar atos, em certos momentos, questionáveis, para a continuidade da missão. É o caso, por exemplo, de Kratos, da série God of War, capaz de causar a destruição do mundo grego em sua busca por vingança contra seu pai, Zeus, e todos os deuses do Olimpo. Outros bons personagens são Max Payne (Max Payne), Agente 47 (Hitman) e Dante (Devil May Cry).

Justamente por não terem essa moral suprema dos heróis e geralmente buscarem algo que vai,
provavelmente, favorecer muito mais a eles próprios do que a qualquer outro, suas histórias possuem, em geral, um motivador muito particular. No entanto, esse motivador acaba sempre levando a uma trama muito maior, o que faz com que seja natural do anti-herói se envolver em histórias e aventuras muito maiores do que ele esperava ou estava preparado para. Não é incomum que, em suas histórias, o protagonista sempre se coloque em conflito com as autoridades vigentes, que o caçam justamente por ele ser um violador do código de conduta que elas defendem. Isso faz com que, muitas vezes, o anti-herói tenha de enfrentar, além de seus arqui-inimigos, a força policial da cidade, por exemplo, ou o exército, ou mesmo um pequeno grupo de agentes federais. O que importa é que, para estar no meio-termo entre a lei e o crime, ele é um personagem caçado pelos dois lados.
Mas afinal, o que faz com que o público em geral ame tanto esse tipo de protagonista? Por que as pessoas demonstram mais afeto e adoração por um anti-herói? Por que tantas pessoas adoram sair pelas ruas com camisas do Justiceiro, Deadpool, Rorschach ou V?

Nosso gosto por determinados personagens reside, em boa parte, na nossa conexão com eles, no quanto podemos assimilar aquilo que eles fazem ou que pensam e utilizar disso em nossas vidas. E mesmo que nenhum de nós consiga voar e disparar raios laser pelos olhos como o Superman, ou disparar teias das mãos como o Homem-Aranha, podemos nos conectar muito facilmente com seus ideais, seu senso de justiça, porque somos ensinados a pensar da mesma forma. Dessa forma, simpatizamos com o que esses heróis pensam e fazem pois, em nossa sociedade, aquilo é o certo a se fazer, a forma correta de se pensar moralmente, à qual todos nós estamos condicionados.
Ao mesmo tempo, nutrimos também uma simpatia pelos vilões dos filmes. Quanto de nós não adoramos o Coringa de O Cavaleiro das Trevas, ou Eric Kilmonger de Pantera Negra? Mesmo sabendo que suas ações são erradas e resultarão em catástrofes para o mundo, acabamos nos solidarizando com eles, porque também estabelecemos uma conexão com eles, no sentido de que também questionamos a sociedade e seus preceitos, vendo-os muitas vezes como errado ou injusto. Ao percebermos esses erros, uma parte de nós deseja fugir, se rebelar contra esse sistema, corrigi-lo ou derrubá-lo. E é isso que os vilões geralmente se propõe a fazer. Nosso amor por eles é, dessa forma, dividido entre seus propósitos e a maneira violenta como eles se propõe a realizá-los. Kilmonger foi um bom exemplo disso: Sua filosofia foi defendida por muitos como sendo o certo a se fazer, gerando um debate intenso sobre o tipo de sociedade que o Pantera Negra defendia, ao mesmo tempo que a sua maneira de realizar o que ele desejava pode ser considerada como radical demais e extremamente perigosa.
E onde o anti-herói se localiza nisso tudo? Exatamente no centro dos dois lados. É alguém que se localiza, muitas vezes, mais próximo de nossa própria moral, e por isso aceitamos tão bem esses personagens e os adoramos. Por um lado, eles estão lutando contra vilões que buscam destruir a sociedade e todos os seus princípios. Por outro lado, eles conseguem ver os podres dos ditos “mocinhos” e não se conforma com eles, enfrentando-os da mesma maneira como enfrenta os vilões. O anti-herói, dessa forma, não é contrário à moral da sociedade, mas se encontra em uma posição onde ele pode questioná-la e combatê-la de uma maneira muito mais eficiente do que, por exemplo, heróis clássicos que estão imersos nos padrões sociais sem conseguir ver seus erros.
O sucesso dos anti-heróis foi tão grande durante tantos anos que acabou mudando a própria forma de comportamento de alguns heróis mais antigos e tradicionais para algo mais próximo do real, fugindo ao ser perfeito que antes era representado para abraçar um novo modelo onde os salvadores da humanidade são também cheios de defeitos, de erros e dotados de uma capacidade de questionar as decisões da sociedade. Isso os tornou mais complexos em suas histórias, tornando-as mais fáceis de serem abraçadas pela população, que passou a ver não mais um ideal imposto, mas um personagem capaz de representar também aquilo que ela pensa.

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