HAMLET - O RESTO É SILÊNCIO
- Artur Nicoceli
- Oct 4, 2018
- 3 min read
Updated: May 21, 2019

O resto é silêncio. Quem ousaria construir um dos textos mais clássicos do teatro e de Shakespeare de forma disruptiva com microfones e projeções, transformando o tradicional em contemporâneo?
O Armazém Companhia de Teatro (equipada com a montagem do Grupo Tempo, em meados de 2013).
“Tem algo de podre no Reino da Dinamarca”, o palco se transforma na epifania de um jovem célebre que recusa de forma abrupta a morte de seu adorado pai. Logo em seguida, as loucuras desse púbere, Hamlet, se amarram na tentativa de mandar seu “adorável” tio à morte. Sequências de tentativas que não chegam ao ápice de vingança, fazem com que oportunidades sejam destituídas, para que o momento certo aconteça. Uns shows de declarações pueris concebem de forma indireta ao resto da família que Hamlet está louco, fora de si, balbuciando ideias de vingança. Uma típica comédia espanhola, mesmo acontecendo em outro país.
William Shakespeare, de forma minuciosa e dilaceradora, realça as loucuras de uma sociedade dinamarquesa, como em qualquer outra relação familiar sobre as nuances do capital. De forma intrínseca, quando Hamlet encontra Yorick, o bobo da corte, putrefato e levanta apenas o crânio do mesmo, é naquele momento que se perpetua o destino final, questionando as atitudes dos homens, já que no fim todos retornaram ao pó. Usando Eclesiastes 12, mesmo o autor não sendo religioso, para explicar o ato delicado do personagem principal, com o bobo. “O pó retorne a terra, de onde veio”.
O autor ainda quebra a estética do teatro da verdade, pois o autor, nunca haveria de ter saído do país de origem e escreve muito bem sobre a Dinamarca e a Inglaterra. “Tem algo de podre no novo teatro”.

(Fonte: Guto Muniz)
Dos microcosmos ao macro, Hamlet em sua consciência não vive do efêmero, daquilo que transpõe as elucubrações da sociedade, quando em um momento de respiro, já se atiram para o desespero de se agarrar em outro alicerce. O ser humano para Shakespeare talvez seja o ser mais desprezível quando não se apropria da própria dor, querendo compartilhá-la para que de alguma forma seja o centro das atenções, ou até que se esqueçam do passado e vivam do presente. É possível notar quando Ofélia responde a Hamlet que “já se passaram dois meses desde a morte do pai dele” quando é questionada indiretamente pelo jovem “minha mãe apresenta um semblante de felicidade, quando meu pai morreu há apenas duas horas”.
“Hamlet tem uma consciência brutal,
E quem tem uma consciência brutal,
Não sorri o tempo todo,
Não publica o tempo todo,
Não bate foto de tudo
E não compartilha cada micromovimento da sua vida medíocre”.
(Leandro Karnal, Hamlet de Shakespeare ao mundo do palco, 2015 na Unicamp)
O Armazém Companhia de Teatro trabalha o clássico de forma estupenda, entendendo as nuances que o autor propõe, as poéticas ditas pelos personagens coveiro e Ofélia são deleitadas de uma forma que o público compreende o acontecimento de forma simples e concreta. A tradução ao qual o grupo trabalhou fez com que houvesse um entendimento mais palatável ao público. Ao assistir, reparo a minha volta que os espectadores estão imersos na construção contemporânea do grupo que, “spoiler alert”: ao repararem na morte de Gertrudes, mãe de Hamlet, ao beber o cálice envenenado pelo seu atual marido, Claudius, elevaram os ombros, seguraram a respiração e, a partir daquele momento, com os olhos vidrados viram o derradeiro fim de todos os personagens.
“Claudius é um gorila”, Hamlet grafita nas vidraças das portas giratórias do único cenário usado pela companhia. Transformando declarações, em falas “microfonadas” com um eco incomodante, trabalham como linhas concorrentes com rock’s e músicas americanas. Ofélia em sua loucura atravessa o palco ambientando o público na imensidão de tristeza que a personagem habita. Já os convidados iniciais da festa de casamento, conversam com o público bebendo “champagne”, alterando a ambientação para algo descolado e agitado. Já a indumentária (figurino) transcorre entre vestimentas do século XVI e roupas atuais como dos serviçais Rosencrantz e Guildenstern.
No entanto, em determinados momentos a projeção de voz se torna fálica onde eu, sentado na fileira H, provavelmente há 3 metros do palco (perdão pela minha não precisão, não sou bom com metragens mentais), não ouvia o que determinados personagens falavam, como a volta de Lartes e sua indignação com relação à morte de seu pai.

(Fonte: CCSP)
O Armazém Companhia de Teatro encena Hamlet de forma até então, não imaginada, talvez uma das melhores apresentações do clássico que eu já tenha visto. O resto é silêncio.
Eles estarão as terças, quartas, quintas e domingos no Centro Cultural São Paulo até o dia 14/10.
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