O DIFÍCIL TRABALHO DE ADAPTAÇÃO DE MANGÁS PARA O CINEMA
- Luís Henrique Franco
- Feb 14, 2019
- 5 min read
Updated: Aug 13, 2019

Adaptar uma história já existente é sempre um trabalho difícil. No cinema, a adaptação de outras mídias é algo constante, seja uma adaptação de um livro, um jogo, uma série, uma animação ou um mangá. Mas existe uma coisa que todas essas adaptações têm em comum quando são lançadas: praticamente todas sofrem alguma crítica com relação à sua comparação com o material original.
É difícil demais para um filme conseguir captar todos os detalhes e as nuances de um livro ou de um jogo, o que força com que os produtores a abrirem mão de algumas cenas ou situações, algumas das quais são extremamente importantes para a história, e essa falta é sentida pelos fãs do material original. Com jogos e, ainda mais, com mangás e animes, a situação é ainda pior, pois além do conteúdo do enredo, existe também a questão do estilo, da arte utilizada, que o cinema simplesmente não consegue copiar na forma de um live-action, apesar de algumas tentativas usando efeitos especiais.
Entrando nesse mundo de fãs exigentes e que demandam um grande respeito à estética e à história dos animes e mangás originais, James Cameron, o grande diretor conhecido por filmes como Exterminador do Futuro, Titanic e Avatar, busca fornecer uma versão decente em live-action para a história de Battle Angel Alita, lançado em 15 de dezembro de 1990 e escrito por Yukito Kishiro, onde é retratado um cenário pós-apocalíptico no qual humanos e ciborgues convivem em uma cidade flutuante. Abaixo dessa, na Cidade da Sucata, o engenheiro Daisuke Ido encontra o tronco de uma ciborgue de combate, uma das armas mais avançadas já criadas. Sem memória, a ciborgue é criada como filha de Ido, mas suas habilidades de luta logo são descobertas e a fazem trilhar um caminho diferente para descobrir quem é de verdade.

O filme de James Cameron com direção de Robert Rodriguez recebeu críticas tanto positivas quanto negativas, mas as mais otimistas retratam o filme como uma boa adaptação, cheia de ação e cenas marcantes. Ainda assim, o filme, que estreia dia 14 de fevereiro, tem que passar pelos principais críticos, que sempre apontam os maiores erros desse tipo de produção: os fãs do conteúdo original.

PROBLEMAS NATURAIS DE UMA ADAPTAÇÃO
Como já dissemos, toda adaptação feita pelo cinema sempre sacrifica partes do material original que não conseguem entrar no filme final. E é óbvio que essas faltas são sentidas por um público que leu o livro ou o mangá/assistiu o anime/jogou o jogo. Logo, essas são os primeiros problemas apontados.
Mas um filme também possui um ritmo diferente dessas outras mídias, tendo que resumir a duas horas de duração uma história com elementos que levam vários capítulos para serem trabalhados. A personalidade de muitos personagens é moldada por detalhes e cenas que o cinema não tem tempo ou condições de adaptar da mesma forma, preferindo abrir mão delas, o que muitas vezes implica em sacrificar uma parte significativa de algum personagem e que é sentida pelo público.
Muitas vezes, essas adaptações vão mais longe e simplesmente cortam personagens que eles sentem que não se encaixam nos planos feitos para a adaptação, mas que no conteúdo original são de vital importância. Essas escolhas podem refletir uma questão de arco de enredo escolhido, onde se escolhe uma parte da história na qual algum personagem não seja tão relevante e por isso “pode ser cortado”. Mas essas faltas são bastante sentidas pelos fãs.
WHITEWASHING: UM FANTASMA QUE ASSOMBRA HOLLYWOOD
Uma discussão muito séria que atinge os produtores de Hollywood que se aventuram no mundo das adaptações é a do Whitewashing. Traduzindo o termo, significa usar atores e atrizes brancos e caucasianos para interpretar personagens que, na mídia original, são pertencentes a outras etnias e classes. No mundo dos mangás, esse termo designa que, nos filmes, personagens que geralmente são orientais são interpretados por atores brancos, tirando a identidade original dos mesmos.
Um dos casos mais recentes de acusações de Whitewashing em uma adaptação de mangá e anime foi o ocorrido Vigilante do Amanhã, filme baseado no mangá Ghost in the Shell e protagonizado por Scarlett Johansson. Na época de seu lançamento, houve uma grande movimentação contra a escalação da atriz, que interpreta a protagonista na história, uma personagem que, dentro do original, é japonesa. As principais acusações contra o filme alegavam que a produção poderia ter escolhido uma atriz japonesa para o papel, mas preferiu a atriz americana pelo fato de ela já ser extremamente famosa e um grande chafariz para o público. Na época, o diretor do filme animado baseado no mesmo mangá, Mamoru Oshii, defendeu a escalação de Johansson, alegando que, como o protagonista é um ciborgue, a forma por ela assumida não representa sua forma original (que seria a de um robô). “O nome ‘Motoko Kusanagi’ e seu corpo atual não são nem seu nome nem seu corpo originais, então não existe base para dizer que uma atriz asiática deve interpretá-la”, afirmou.

Em outras adaptações, as mesmas acusações aconteceram. Lançado em 2009, Dragon Ball Evolution também foi alvo de grandes críticas quanto a seu personagem principal, Goku, interpretado no filme por Justin Chatwin. O personagem, também oriental nos mangás e animes originais, ficou completamente descaracterizado na pele do ator. No final, o filme foi um gigantesco fracasso.

E embora seja adaptado de um desenho americano, O Último Mestre do Ar também colheu sua dose de críticas aos personagens. Uma delas se dirigia contra a escalação de atores brancos para papéis de personagens não brancos no desenho original, como Katara e Sokka. Outra crítica atribuída à adaptação de M. Night Shyamalan dizia respeito à maneira como os golpes dos dobradores dos elementos eram realizados. Essa crítica teve como base o fato de que, em Avatar, o desenho original, os golpes dos dobradores têm como base os movimentos reais de artistas marciais, criando uma conexão entre o golpe e o controle do elemento que respeita a tradição das lutas. No filme, porém, não há esse cuidado, e os “golpes” são na realidade apenas uma sequência de movimentos de braço confusos feitos pelos atores, sem fazer menção há nenhuma das artes que inspiraram o desenho.
E, em alguns casos, um mangá até recebe uma boa adaptação inicial, como é o caso do filme sul-coreano Oldboy, lançado em 2003 e baseado no mangá de Nobuaki Minegishi. O elenco coreano dá mais força e veracidade ao filme, e o estilo do diretor Park Chan-wook provoca tensão e intensidade no espectador. Daí, obviamente, Hollywood teve que fazer a sua própria adaptação, com atores brancos no lugar dos coreanos, o que obviamente não agradou muito os fãs. A pior parte é que essa nova adaptação foi dirigida por Spike Lee, mas nem mesmo ele escapou das críticas ao escalar Josh Brolin para o papel principal.

Aparentemente, esse tipo de polêmica ainda não estourou contra Alita. Talvez isso se deva pelo fato de que a personagem principal seja uma personagem de CGI, mas ainda assim o elenco coadjuvante também é formado majoritariamente por atores e atrizes caucasianos, o que pode levar a questionamentos futuros. De qualquer forma, Alita enfrentará críticas por ser uma adaptação de um material existente. Fãs de mangás e animes costumam ser exigentes em face do cinema, e o mesmo pode ser dito sobre fãs de livros e de games. Todos gostariam de ver as aventuras que tanto gostam ganharem vida nos cinemas, mas eles também querem que isso seja feito da maneira correta, com atenção aos detalhes e à riqueza dos mundos adaptados. Isso sempre será um desafio para os diretores e produtores porque, não importa o quão atentos eles estejam, sempre vai haver algo que precisará ser cortado, e isso é sempre uma questão a ser analisada com o máximo de cuidado.
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