Bacurau, filme brasileiro premiado em Cannes, coloca em pauta violência institucionalizada no país.
- Isabella Mori
- Aug 31, 2019
- 3 min read

Bacurau, filme de Klebber Mendonça e Juliano Dornelles, premiado no Festival de Cannes com o prêmio Juri, aposta em diferentes linguagens para retratar a disputa de dominação e sobrevivência do ser humano, contextualizada na realidade brutal do sertão de Pernambuco. Apesar de ser fictícia, a história que se passa na cidade que dá nome ao filme, apresenta muitas questões que fazem parte da sociedade nordestina. Sem protagonistas específicos, o conjunto de moradores de Bacurau, região ignorada pelos mapas geográficos, é quem nos acompanha nessa violenta trajetória que custa a vida de adultos e crianças.
Trata-se de um minúsculo povoado nordestino abandonado pelo sistema público, carente de infraestrutura e recursos básicos e que sofre a invasão de impiedosos forasteiros americanos obstinados em dizimar toda a população. Depois de fazerem muitas vítimas em Bacurau, a guerra é declarada. Uma guerra diferente, com traços estéticos futuristas. Um faroeste com um inimigo que possui armamento de alta tecnologia como drones, snipers, metralhadoras, contra uma simples sociedade pacífica construída a partir de um histórico de violência que precisa apelar para o armamento de seu arsenal particular e cultural guardado no museu da cidade.
Os primeiros minutos de Bacurau sugerem um estilo de cinema naturalista que se preocupa em apresentar a região, seus costumes, sua realidade social, e em certo momento transforma-se em algo que o espectador jamais esperaria: em um cinema de gênero, estilo thriller, com cenas de suspense e ação, causando uma espécie de estranhamento. Uma combinação sanguinolenta escolhida pelos diretores para tratar de questões universais, mundialmente debatidas, como disputa de poder e dominação, a partir de uma linguagem semelhante à utilizada nos filmes americanos, sem abrir mão do que há de essencialmente brasileiro na narrativa.

A ideia de invasão é ilustrada pelo embate do homem branco colonizador versus o homem regional que luta por sua sobrevivência. O motivo da investida estrangeira só é revelado nos últimos minutos do filme, o que deixa o espectador intrigado. Mas esse motivo acaba sendo apenas um detalhe. Talvez a grande intenção do filme seja mostrar a resistência que possui o povo nordestino, em sua unidade, capaz de combater, historicamente, as diversas tentativas de apropriação de suas terras. Ou ainda mais: uma espécie de denúncia dos genocídios que estão sendo cometidos contra povoados brasileiros, em especial os indígenas, e da forma despreparada com que a polícia lida com o crime nas favelas do Rio de Janeiro.
O filme de produção franco-brasileira possui elenco misto, de maioria nordestina, mas também estrangeiro, como o ator alemão Udo Kier, de brilhante atuação e grande histórico de vilões em filmes de gênero, que interpreta o impiedoso líder do grupo de mercenários. Sônia Braga vive Domingas, a médica da cidade que por vezes parece liderar a região. O encontro entre os dois personagens gera uma vibrante cena de poucas falas e muitos olhares, o enfrentamento de duas lideranças íntegras, praticamente inabaláveis, principalmente por parte da doutora, que, mesmo desarmada, não se intimida com o rifle na mão de seu inimigo.

Um filme com cenas fortes de violência e morte traz a questão das armas, da postura despreocupada do poder público, da execução de inocentes, da injustiça praticamente institucionalizada no Brasil. Ainda abre espaço para criticar de uma forma caricata a figura política corrupta da região, omissa nos momentos em que a sociedade de Bacurau mais necessita de ajuda e também responsável e incitadora de toda tragédia sofrida pelos moradores.
Bacurau coloca em pauta, com urgência, a questão da violência – ela mesma encravada nas raízes brasileiras desde tempos coloniais - contextualizada em um “fictício futuro próximo” que nos faz refletir se não estamos falando de hoje.
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